Estudos Sobre as Emendas Constitucionais:
Introdução: A Emenda Constitucional é um meio estabelecido pelo Poder Constituinte originário para reformar a Constituição, sendo um dos meios de expressão do Poder Constituinte Derivado.
Limites ao Poder de reforma: Conforme ensinado pelo Constitucionalista Paulo Bonavides,
“O Poder de reforma constitucional exercitado pelo poder constituinte derivado é por sua natureza jurídica mesma um poder limitado, contido num quadro de limitações explícitas e implícitas, decorrentes da Constituição, a cujos princípios se sujeita, em seu exercício, o órgão revisor”1.
Limitações Expressas: As limitações expressas, por sua vez, são subdivididas doutrinariamente em (a) Materiais; (b) Circunstanciais; (c) Formais e (d) Temporais
Limitações expressas materiais: São as denominadas cláusulas pétreas ou núcleo constitucional imodificável. Estão presentes no art. 60, § 4° da Constituição Federal, que diz não poder ser objeto de deliberação as propostas de emenda tendente a abolir (merece atenção o fato de que se a emenda constitucional tiver como objetivo a melhoria ou ampliação dos direitos abaixo elencados ela poderá ingressar no ordenamento jurídico).
Impende salientar que a lesão às clausulas pétreas não se configurarão apenas quando se verificar a afronta ao enunciado forma federativa de estado; separação entre os poderes; voto direto, secreto, universal e periódico; direitos individuais, mas também às disposições que confiram densidade normativa a estes preceitos, ou seja, àquelas normas que possuam conexão com as cláusulas pétreas.
Neste sentido, passemos à análise do núcleo gravado com a garantia de eternidade:
(a) A forma federativa de Estado: Não poderá haver proposta de emenda constitucional que venha a ferir os elementos constitutivos essenciais `a forma federativa de estado, a saber, a autonomia dos integrantes da federação e a repartição de competências.
(b) O voto direto, secreto e universal: Não poderá haver proposta de emenda constitucional que institua o direito ao voto apenas àqueles que possuírem um curso superior, pois o voto é universal.
(c) A separação de poderes: Não poderá haver proposta de emenda constitucional que estabeleça a impossibilidade de o Presidente da República vetar projetos de lei aprovados no Congresso Nacional.
(d) Os direitos e garantias individuais: Não poderá haver proposta de emenda constitucional que institua a pena de prisão perpétua, pois o art. 5º, XLVII, b, diz que é direito individual a impossibilidade de se estabelecer penas perpétuas. No entanto, merece atenção o que foi dito anteriormente sobre a proposta de emenda constitucional cujo objetivo seja ampliar os direitos previstos no art. 60, § 4° da Constituição Federal; se houver um projeto que vise alterar o art. 5º, XLVII, a, que prevê a pena de morte para o caso de deserção em época de guerra, com a finalidade de não permitir em nenhuma hipótese a pena de morte, este projeto será perfeitamente adequado, pois visa ampliar um direito individual, ou seja, a garantia à vida.
É de se observar que a Constituição limitou o poder de reforma dos direitos e garantias individuais, direitos que não se encontram restritos apenas ao art. 5° da Constituição Federal, mas estão dispersos no texto constitucional (art. 5º, § 2º). O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADIN 939-7 considerou cláusula pétrea a garantia constitucional assegurada ao cidadão no Art. 150, III, b (Principio da anterioridade tributária).
“Admitir que a união, no exercício de sua competência residual, ainda que por emenda constitucional, pudesse excepcionar a aplicação desta garantia individual, implica em conceder ao ente tributante poder que o constituinte expressamente lhe subtraiu ao vedar a deliberação de proposta de emenda constitucional tendente a abolir os direitos e garantias individuais constitucionalmente assegurados.”
Gilmar Ferreira Mendes, Ministro do Supremo Tribunal Federal, aponta que as clausulas pétreas traduzem um esforço do constituinte para assegurar a integridade da Constituição, obstando que eventuais reformas provoquem a destruição e o enfraquecimento da integridade constitucional.
Limitações Expressas Circunstanciais: Esta modalidade de limitação prende-se a ocorrência de determinadas circunstancias excepcionais na vida de um país. Estão presentes no art. 60, § 1° da Constituição Federal, que estabelece a impossibilidade de a Constituição ser emendada na vigência de intervenção federal, estado de sítio ou de estado de defesa. São limitações que visam a impedir a mudança da constituição nos períodos de excepcional idade.
Conforme entendimento doutrinário, A vedação é a mais ampla possível, abrangendo a propositura, a tramitação e a publicação de emendas constitucionais, porque uma emenda nesta situação de exceção poderia representar uma ameaça ao Estado Democrático de Direito, pois as "intenções" estariam suspeitas durante um período de anormalidade política e democrática.
Limitações Expressas temporais: Neste tipo de limitação o Poder Constituinte originário limita no tempo a ação reformista do Poder Constituinte derivado, o qual não poderá atuar até o decurso de um determinado período de anos. Tem este tipo de limitação a finalidade de consolidar e adequar a ordem jurídica nascida pelo advento da nova Constituição, estabelecendo um período de maturação das novas instituições, e, se após este lapso temporal houver a necessidade de modificações, restaria possível o instituto da reforma. A atual Constituição brasileira NÃO POSSUI LIMITAÇÃO TEMPORAL do poder de reformar, ao contrário do que ocorria na Constituição de 1824, que assim dizia:
“Se passados quatro anos, depois de jurada a Constituição do Brazil, se conhecer, que algum de seus artigos merecem reforma, se fará a proposição por escrita, a qual deverá ter origem na Câmara dos deputados, e ser apoiada por terça parte delles.”
Merece ressalva que no art. 3° do ADCT está previsto que, após cinco anos da promulgação da Constituição, será realizada Revisão Constitucional pelo voto da maioria dos membros do Congresso Nacional, em sessão unicameral. No entanto, esta não é uma limitação temporal ao poder de reforma, basta observar que antes deste prazo de cinco anos já houve a realização de quatro emendas constitucionais com fundamento no art. 60 da Constituição Federal. O art. 3° do ADCT veda a revisão constitucional antes dos cinco anos e não a emenda constitucional (poder de reforma).
Pergunta-se então, quais as diferenças entre a revisão e a emenda constitucional?
Todas as duas são expressão do Poder Constituinte Derivado, mas apresentam diferenças, vejamos:
(a) Revisão:
• Pode haver uma reforma ampla da Constituição, podendo incidir sobre vários temas constitucionais, ainda que desconexos.
• Não há mais possibilidade de ocorrer a revisão, a corrente majoritária entende que já foi encerrado o prazo para haver a revisão.
• O quorum de votação é a maioria absoluta dos membros do Congresso nacional, reunidos em sessão unicameral.
(b) Emenda:
• A reforma através de emendas constitucionais só pode incidir sobre tema específico da Constituição, as matérias previstas na emenda têm de ser correlatas, como, por exemplo, a emenda constitucional 42, também chamada de reforma tributária. Nesta reforma só se tratou de questões tributárias.
• Podem ocorrer a qualquer momento desde que observado os parâmetros Constitucionais.
• O quorum de votação é de 3/5 dos membros de cada casa do Congresso Nacional, votação em dois turnos, em cada casa, separadamente.
Limitações Expressas procedimentais ou formais: Estão presentes no art. 60, I, II, III e § 2°, 3° e 5°, e são referentes ao processo legislativo diferenciado para a mudança da Constituição.
(a) Iniciativa: A iniciativa do projeto de emenda constitucional cabe:
• Ao Presidente da República
• 1/3, no mínimo, dos membros da Câmara dos deputados ou do Senado Federal.
• De mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros.
(b) Deliberação: Haverá a deliberação em cada casa, em dois turnos de votação, considerando-se a emenda constitucional aprovada se obtiver em ambas as casas 3/5 dos votos dos respectivos membros.Conforme dispõe o regimento interno da Câmara dos Deputados, a proposta de emenda será submetida a dois turnos de discussão e votação, com interstício de cinco sessões.
Apontando a importância desta forma especial de deliberação, aduz Hans Kelsen em sua obra a garantia jurisdicional da constituição,
A forma constitucional especial, que consiste habitualmente em que a revisão da Constituição dependa de uma maioria qualificada, significa que certas questões fundamentais só poderão ser resolvidas mediante entendimento com a minoria: a maioria simples não tem - em certas matérias, pelo menos - o direito de impor sua vontade à minoria2.
(c) Promulgação: A promulgação e a publicação não dependem do Presidente da República, ou seja, não há sanção ou veto. As emendas constitucionais são promulgadas e publicadas pelas mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.
Conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal, em relação ao processo legislativo, os Estados-menbros devem adotar as regras básicas do processo legislativo federal previsto na Constituição Federal. Assim, o estabelecimento de quorum mais rígido para a aprovação de emenda constitucional federal não seria possível em decorrência da não adoção do modelo federal.
EMENTA: CONSTITUCIONAL. SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSO LEGISLATIVO: INICIATIVA LEGISLATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. C.F., art. 61, § 1º, II, c. INICIATIVA LEGISLATIVA RESERVADA A OUTRO PODER: PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. C.F., art. 2º. I. - As regras básicas do processo legislativo federal são de observância obrigatória pelos Estados-membros e Municípios.
(d) Rejeição do Projeto de emenda constitucional: O projeto rejeitado ou prejudicado não poderá ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa.
Por fim, importantíssimo observar que a Emenda Constitucional 45, de 08 de Dezembro de 2004, estabeleceu que os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada casa do Congresso Nacional, em dois turnos de votação, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais (Art.5§ 3º).
Limitações implícitas ao poder de reforma: Consoante a doutrina de Nelson de Souza Sampaio, além das limitações expressas, há também as limitações implícitas ao poder de reforma. Estes limites são:
• Inalterabilidade da titularidade do Poder Constituinte Originário: O parágrafo único do art. 1° da Constituição Federal não pode ser alterado mediante emenda constitucional.
• Inalterabilidade da executoriedade do Poder Constituinte Reformador: O Congresso Nacional não pode passar seu poder de fazer reforma para outro órgão.
• Inalterabilidade do Processo de reforma da Constituição: O processo de deliberação das emendas constitucionais não pode ser modificado com vistas a torná-lo mais fácil de reforma.
Consoante a doutrina abalizada do Professor Nelson de Souza Sampaio sobre a proibição da alteração do processo de reforma,
“ Se isso não estivesse sempre subentendido, todas essas proibições antepostas ao poder reformador seriam vãs, porque ele as poderia ladear sempre, embora fazendo um caminho mais longo. Bastaria agir em duas etapas para afastar qualquer obstáculo à sua atuação. Na primeira fase, suprimiria o dispositivo que veda determinada reforma, e, na segunda, realizaria esta mesma reforma, primitivamente inadmissível.”3
• Forma Republica e Sistema Presidencialista: Para alguns seria limite implícito a impossibilidade de se alterar a forma de governo republicana e o sistema de governo presidencialista, em decorrência da escolha plebiscitária ocorrida em 07 de setembro de 1993.
Emendas Constitucionais e Controle de Constitucionalidade: A emenda constitucional, se respeitar os preceitos fixados pelo art. 60 da Constituição Federal, ingressará no ordenamento jurídico com status constitucional, devendo ser compatibilizada com as demais normas originárias. Porém, se qualquer das limitações impostas pelo citado artigo for desrespeitada, a emenda constitucional será viciada, devendo ser retirada do ordenamento jurídico através das regras de controle de constitucionalidade, por inobservância às limitações estabelecidas na Carta Magna.
Com relação a este assunto, sobre a possibilidade da declaração de inconstitucionalidade de emenda constitucional, voto do Ministro do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello:
“Atos de revisão constitucional tanto quanto as emendas constitucionais podem, assim, também incidir no vício da inconstitucionalidade, configurando este pela inobservância das limitações jurídicas superiormente estabelecidas no texto da Carta Política por deliberação do órgão exercente das funções constitucionais primárias ou originárias.”
Desta forma, é plenamente possível a incidência do controle de constitucionalidade, difuso ou concentrado, sobre as emendas constitucionais.